A TEORIA DA IMPREVISÃO, A COVID-19 E A NECESSIDADE DE SE BUSCAR MEIOS ALTERNATIVOS PARA SOLUCIONAR OS CONFLITOS

Estamos passando por dias de grande incerteza e insegurança devido aos reflexos decorrentes da disseminação da Covid-19, levando-nos a questionamentos dos mais diversos, sejam de ordem emocional, jurídica, financeira etc.

Ressalta-se que o setor econômico é o que mais sentiu — e, segundo analistas, por muito tempo sentirá — os efeitos deletérios da pandemia, que ocasionou, de uma certa feita, a inviabilidade de cumprimento de contratos e compromissos já assumidos, ensejando forte discussão sobre a flexibilização de algumas obrigações a fim de garantir a manutenção de atividades empresariais e empregos.

Se de um lado temos corriqueiramente contratos sendo firmados, dos mais simples aos mais elaborados, por outro é de extrema necessidade entender as implicações e possibilidades decorrentes da relativização de cláusulas contratuais, de modo a não prejudicar o setor financeiro das partes envolvidas, sobretudo por prevalecer, nas relações contratuais, regras anteriormente pactuadas a despeito de fatos posteriores à formalização da avença, cujo objetivo é prestigiar uma certa segurança jurídica.

Neste momento de crise e instabilidade do mercado é que se deve achar solução legal e razoável a fim de ultrapassar as dificuldades encontradas, razão pela qual a analise de todas as possibilidades que a lei proporciona devem ser devidamente consideradas e colocadas em pratica, com o fito de, em razão do atual estado excepcional, não onerar demais o credor, tampouco deixar à própria sorte o devedor premido pela necessidade de flexibilizar algumas cláusulas.

Com isso, traz-se à discussão a propalada Teoria da imprevisão, positivada no artigo 317 do Código Civil, e que determina a possibilidade de revisar o contrato quando circunstancias imprevisíveis tenham ocorrido depois da celebração do negócio, alterando de modo significativo as circunstâncias de fato, dando ensejo a um desequilíbrio visível e incontestável.

Deve ser dito que é justificável o descumprimento de um contrato, ou de uma obrigação específica, em face da imprevisibilidade de um evento ( p. ex.: o caso da pandemia acarretada pelo coronavírus), de sorte que tal medida pode ser considerada como uma maneira de pacificação social, i.e, de viés notadamente ético nas relações contratuais privadas.

É de se notar que, nesses casos, a pandemia deve ser tratada como um caso de força maior, a não ocasionar a responsabilização de nenhuma das partes em razão do descumprimento das obrigações em função da ocorrência de fatos alheios à capacidade de previsão conferida ao homem médio.

Importante que cada caso seja analisado de modo individual acerca da possível existência de cláusula que já preveja a possibilidade de resolução/resilição do contrato em função de fatos extraordinários e cuja ocorrência onere demasiadamente uma das partes.

Nos casos em que o desequilíbrio seja patente, de nós que o contrato se afigure demasiadamente custoso para um dos componentes da relação e, por outro lado, excessivamente lucrativo à outra parte, poderá aquele que se sentir lesado discutir a resolução/resilição da avença, aplicando-se a teoria da onerosidade excessiva (art. 478 do CC/02), uma das facetas do princípio da função social dos contratos — este previsto, inclusive, na Carta Maior de 1988.

Diante disso, baseado no que determina do artigo 479 do CC/02, se a parte favorecida se dispuser a retornar o equilíbrio entre as prestações, poderá o juiz, se o caso — aplicando-se o princípio da conservação do negócio jurídico –, apenas revisaro contrato, em vez de resolvê-lo, gerando dessa forma uma relação contratual benéfica para ambas as partes.

Por outro lado, a Lei n.º 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica) discorre acerca dos riscos que envolvem as partes em contratos civis e empresariais, estabelecendo a aplicabilidade dos princípios da paridade e da simetria nessas relações, na medida em que uma revisão contratual poderá acontecer de modo excepcional e em casos extremos, a garantir que eventuais renegociações devam ser realizadas à luz do princípio da menor onerosidade às partes..

Em razão de todas essas colocações, importante entender que existem inúmeras regras legais para que sejam realizadas renegociação contratuais, a fim de procurar um equilíbrio para todos os lados envolvidos, razão pela qual um suporte jurídico especializado torna-se de suma importância, cujo objetivo naeja evitar ilegalidades e eventuais problemas futuros que poderão acarretar maiores prejuízos, bem como a terceirização da resolução do conflito, ou seja, seu encaminhamento às prateleiras do Estado-juiz.

Em definição, a postergação dos pagamentos, parcelamentos com cobranças excessivas de juros e contratação de empréstimos e financiamentos às pressas não podem — e não devem — ser consideradas saídas eleitas para a situação enfrentada, tendo em vista que a lei viabiliza outras soluções adequadas e razoáveis para se buscar uma saída mais confortável no auge do estado de calamidade, somando-se a tal assertiva que, em que pese a existência de inúmeros subterfúgios legais, não se arigura razoável terceirizar a resolução do imbróglio, i.e, submetendo-a à decisão judicial, uma vez que a melhor saída é a utilização dos meio alternativos de solução de conflitos (sistema multiportas) para o fim de se evitar ainda mais prejuízos financeiros.

Mariane Andrade Galbine.

Advogada da área Cível Coporate, do Vigna Advogados Associados, Pós Graduada em Direito Processual Civil e com Curso de especialização em Contratos e em Prática Processual Civil.

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