A RECENTE LEI DE LIBERDADE ECONÔMICA E O SURGIMENTO DA FESTEJADA SOCIEDADE EMPRESÁRIA UNIPESSOAL

É consabido que, no direito brasileiro, as sociedades empresárias são formadas pela reunião de pessoas que comungam dos mesmos objetivos, com vistas a desenvolver uma atividade econômica para produção e/ou circulação de bens e serviços (é o que se tem chamado de affectio societatis), porquanto a própria definição de sociedade, seja ela empresária ou intelectual, traz em seu bojo a reunião de pessoas, ou seja, sócios para sua formação e atuação no âmbito comercial.

Sem prejuízo às regras e definições ontológicas inerentes ao instituto, relacionadas à vinculação das sociedades à reunião de mais de uma pessoa, no Brasil, em 2011, criou-se a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, isto é, a Lei n°12.441, atendendo às reivindicações da doutrina e, sobretudo, de boa parte de empreendedores, regulamentou o exercício empresarial por uma única pessoa.

A famigerada EIRELI, prevista nos artigo 980-A e seguintes do Código Civil, atendeu, de uma certa feita, as reivindicações da classe jurídica, relativamente à criação de uma sociedade comercial unipessoal com responsabilidade limitada aos bens da empresa. Ao revés, ensejou muitas críticas da comunidade jurídica e da classe empresarial em relação à obrigatoriedade de, no ato da constituição, se integralizar 100 (cem) salários mínimos para criação do capital social, valor extremamente alto e dissonante à realidade dos pequenos e médios empreendedores brasileiros – principal classe que busca empreender de forma individual.

Viu-se, portanto, que, a par da exigência legal em relação à integralização de 100 (cem) salários mínimos para constituição da EIRELI, o principal objetivo do instituto, tão festejado por comercialistas e empresários, restou esvaziado, uma vez que a impossibilidade de ataque aos bens do sócio não se aplicaria em caso de não integralização do capital social, segundo o que dispõe o artigo 1.052 do Código Civil, isto é, a mera subscrição do capital não só ilidiria a constituição da empresa individual mas, também, colocaria os bens pessoais do sócio em risco.

Outrossim, registre-se também que as exigências feitas pelo legislador inviabilizou o exercício regular de diversas atividades empresariais, que poderiam trazer inúmeros benefícios à economia, ao fisco e ao mercado de consumo, notadamente pelo fato de que a empresa individual seria utilizada principalmente por pequenos e médios empresários, reduzindo exponencialmente a evasão fiscal e o descumprimento de prescrições regulatórios. Cumprir-se-ia, neste particular, a finalidade social da empresa.

No entanto, após o clamor advindo de vários setores da sociedade, no ano de 2019, o governo federal editou a Medida Provisória n° 881, dando ensejo à promulgação da Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874 de 2019).

A Lei n° 13.874, de viés notadamente liberal, prestigiou a autonomia da vontade e o absenteísmo estatal nas relações privadas, sem deixar, também, de prestigiar os princípios da boa-fé e da função social dos contratos, em observância à Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.

Com efeito, dentre as várias modificações pontuais no texto do Código Civil, a Lei de Liberdade Econômica, atendendo aos clamores da sociedade, criou, no § 1º do artigo 1.052, a tão festejada Sociedade Empresária Unipessoal.

 Nota-se que, de forma criteriosa, não se criou um capítulo específico para regulamentar as sociedades unipessoais, isso porque, no capítulo relativo às sociedades limitadas, o legislador, de modo acertado, asseverou que a sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou mais pessoas. 

Extrai-se, portanto, que todas as regras incidentes sobre a Sociedade Limitada aplicam-se, doravante, às Sociedades Unipessoais, entre as quais se inclui a autonomia patrimonial da empresa; a possibilidade de constituição, pelo mesmo sócio, de outras sociedades em ramos distintos; a desnecessidade de integralização de 100 (cem) salários mínimos para sua constituição; a possibilidade de integralização do capital social após a constituição da sociedade, oportunidade em que, neste interregno, a responsabilidade ilimitada recairá sobre o capital subscrito e não integralizado, et cetera.

Ademais, vale dizer que a sociedade unipessoal veio em boa hora para impedir o encerramento de diversas sociedades que estavam obrigadas a adequar seu capital social às regras da EIRELI por conta da redução de seu quadro societário a um único sócio, ou seja, antes da promulgação da Lei de Liberdade Econômica, o sócio remanescente deveria integralizar 100 (cem) salários mínimos para constituição de seu capital social no prazo de 180 dias, sob pena de imediata dissolução, nos termos do parágrafo único do artigo 1.033 do Código Civil.

Salienta-se, também, que a sociedade unipessoal dará fim às famigeradas sociedades pro forma (sociedades limitadas), nas quais há um sócio detentor de 99% capital social (sócio empreendedor) e outro, na maioria das vezes amigo ou parente daquele, detentor de apenas um 1% do capital e com pouco, ou nenhum, poder de administração.

Observa-se que a regulamentação das sociedades unipessoais não só veio como forma de estimular o empreendedorismo e, por consequência, o fomento à economia e às relações comerciais, mas também decorreu do anseio social que, ao arrepio da lei, se utilizou de outros mecanismos para, ao fim e ao cabo, dar efetividade às relações jurídicas mais comezinhas, buscando distanciar-se da burocracias impostas pelo Estado.  

Noutro giro, vale mencionar que, atento à incipiente inovação legislativa no âmbito societário, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração – DREI editou a Instrução Normativa n° 63, de 11 de junho de 2019, na qual dispõe sobre às regras de utilização de denominação ou firma das sociedades unipessoais; procedimentos para sua criação, que poderá decorrer de constituição originária, saída de sócios da sociedade por meio de alteração contratual, bem como de transformação, fusão, cisão, conversão, etc; incidência de todas as regras aplicáveis à sociedade limitada constituída por dois ou mais sócios; confecção de documentos (mediante instrumento público ou particular) nos quais serão refletidas as decisões do único sócio etc.

Em definição, é de se prestigiar a inovação legislativa trazida à baila pela Lei da Liberdade Econômica, que, dentre várias disposições importantíssimas, visa desburocratizar e, com isso, tirar o protagonismo do Estado nas relações privadas, trazendo ao mundo jurídico a tão esperada sociedade unipessoal, democratizando o empreendedorismo por uma única pessoa sem a necessidade de esforços inimagináveis, como, por exemplo, a integralização de um vultoso capital social no ato de constituição societária.

Ricardo Santos de Sousa – Advogado Cível Corporate no Vigna Advogados, pós-graduando em direito processual civil, com experiência nas áreas de direito do consumidor, direito empresarial, direito imobiliário e direito securitário. Autor de artigos jurídicos relacionados às áreas de atuação. Inscrito na seccional da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo.

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