O Novo Código de Processo Civil operou inúmeras mudanças no sistema jurídico-processual brasileiro desde sua entrada em vigor, que se deu em 18 de março de 2016, incluindo-se as regras referentes à aplicação dos honorários advocatícios, instituto este tão caro e importante à subsistência dos advogados, que, nos termos do artigo 133 da Constituição Federal, exercem função essencial à justiça.
Mesmo com a clareza de três sistemas solares, ainda se nota uma considerável e deletéria divergência entre os tribunais da nossa federação quando se trata de aplicar, em ações com alto valor envolvido, a regra – leia-se, aqui, regra no sentido de não ser uma exceção – prevista no artigo 85, § 2°, da Lei Processual Adjetiva, que estabelece: os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I – o grau de zelo do profissional; II – o lugar de prestação do serviço; III – a natureza e a importância da causa; IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
Notem que a norma supramencionado não deixa margem à dúvida, isto é: em regra, os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.
A exceção, por sua vez, fica a cargo do parágrafo oitavo, estabelecendo, de forma clara, que, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.
Deve-se aplicar, no caso, a regra hermenêutica mais comezinha do Direito, ensinada nos primeiros anos de academia, qual seja: in claris cessat interpretatio. É isso mesmo! Quando a norma é clara, quaisquer interpretações, excetuando-se a literal, é despicienda.
Contudo, após a promulgação do Código de Processo Civil, iniciou-se a celeuma nos tribunais de toda federação em relação à fixação de honorários em ações de alto valor envolvido e, consequentemente, o alcance da norma inserta no § 8º do artigo 85.
As principais alegações são no sentido de que a fixação de honorários em percentual de 10% a 20% sobre o valor da causa ou proveito econômico, em ações de alto valor, poderia caracterizar enriquecimento sem causa e manifesta ausência de razoabilidade.
Para ilustrar, vejam o que decidiu a 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação n° 1019317-71.2017.8.26.0001, de relatoria do Desembargador Marcos Ramos, em que este articulista atuou como causídico:
“EMENTA: Locação de imóvel não residencial Ação de despejo Sentença de procedência Recurso da autora Parcial reforma do julgado Cabimento – Arguição de que a verba honorária advocatícia de sucumbência deve ser fixada segundo os parâmetros do art. 85, §2º, do CPC, em percentual a incidir sobre o valor da causa. Inconsistência jurídica- Arbitramento corretamente realizado por apreciação equitativa. Quantum, no entanto, que deve ser majorado, levando-se em consideração o grau de zelo dos profissionais, o lugar de prestação do serviço, a natureza, a importância da causa e o tempo exigido para o serviço. Montante ora fixado que remunera condignamente a profissão de advogado e o trabalho exitoso desenvolvido (Apelação nº 1019317-71.2017.8.26.0001. Comarca: São Paulo – Foro Regional de Santana Juízo de origem: 4ª Vara Cível. Apelante: Sol e Mar Administração e Participação S/A – Apelada: Companhia Brasileira de Distribuição. Classificação: Locação de imóveis – Despejo).”
Necessário, no mais, transcrever as razões de decidir lançadas pelos Desembargadores para aplicar ao caso o § 8º do artigo 85, do Código de Processo Civil, em detrimento do § 2º, mesmo não estando diante, na hipótese, de ação com valor irrisório, inestimável ou muito baixo. Veja-se:
“A fixação dos honorários, segundo os parâmetros do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil, representaria indesejável desequilíbrio ao impor à parte vencida o pagamento de honorários superiores a R$100.000,00, os quais evidentemente não são proporcionais ao trabalho desenvolvido, ainda que tenha sido realizado com qualidade elogiável.”
O argumento lançado pelo julgador — ao afastar a aplicação de norma cogente e, frise-se, tão essencial àqueles que exercem função essencial à justiça –, vai de encontro à interpretação literal da norma e, em que pese a inegável divergência, ao posicionamento majoritário da época, endossado, inclusive, pelo Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1731617/SP, julgado em 17/4/2018:
“Ressalvadas as exceções previstas nos §§ 3º e 8º do art. 85 do CPC/2015, na vigência da nova legislação processual o valor da verba honorária sucumbencial não pode ser arbitrado por apreciação equitativa ou fora dos limites percentuais fixados pelo § 2º do referido dispositivo legal. Segundo dispõe o § 6º do art. 85 do CPC/2015, “[o]s limites e critérios previstos nos §§ 2º e 3º [do mesmo art. 85].”
Em meio à divergência jurisprudencial, tão deletéria à segurança jurídica, o Superior Tribunal de Justiça afetou o Tema 1.076, em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, entregue à relatoria do Ministro Raul Araújo, e sobrestou todos os recursos relacionados ao tema até decisão ulterior da Corte Cidadã.
Nesse cenário, poderá o Superior Tribunal de Justiça fixar precedente vinculante – cuja inobservância ensejará a apresentação de Reclamação, nos exatos termos do artigo 988, IV, do Código Wambier – e, consequentemente, dar fim a uma discussão jurídica que, sob os mais singelos pretextos, fere de morte a mens legis de todo sistema relativo aos honorários sucumbenciais.
Fere todo sistema referente aos honorários sucumbenciais porque se utiliza de cláusulas genéricas e conceitos vagos (como, e.g, proporcionalidade, razoabilidade, vedação ao enriquecimento sem causa, dignidade da pessoa humana etc.) à defesa do indefensável, na medida em que, como dito linhas acima, a lei não deixa margem à dúvida.
Como salientado pelo Ilustre Professor Lênio Streck, a aplicação responsável da lei, enquanto emanação da democracia, não pode ceder a pan-principiologismos e juízes solipsistas, que, por vaidade ou coisa do tipo, deixam de lado as regras mais comezinhas da hermenêutica jurídica.
Nesse sentido, vale transcrever as palavras de Lênio a respeito da crise hermenêutica vivenciada em nosso Brasil (ainda, varonil):
“Pois bem. Ao que consta, recebeu nota máxima quem respondeu que o defensor público deveria ajuizar a ação, porque o hipossuficiente tem o direito à felicidade (princípio da felicidade). Ponto para o pan-principiologismo…! Estamos, pois, diante de uma excelente amostra do patamar que atingiu o pan-principiologismo e o estado de natureza hermenêutico em terrae brasilis, que sustentam ativismos e decisionismos. Por certo, deve haver uma espécie de “direito fundamental a alguém se parecer com um lagarto” ou algo do gênero. Como se o direito estivesse à disposição para qualquer coisa (https://www.conjur.com.br/2012-mar-22/senso-incomum-pan-principiologismo-sorriso-lagarto Acesso em: 27.11.2019)”.
Em arremate, esperemos que o Superior Tribunal de Justiça dê a devida interpretação – e mais condizente com o interesse daqueles que compõem o parlamento – ao § 8º do artigo 85 do Código de Processo Civil, a asseverar que a fixação de honorários sucumbenciais de forma equitativa reduza-se a casos cujo proveito econômico seja inestimável ou irrisório ou com baixo valor de causa, colocando, assim, uma pá de cal neste entrave jurídico que, a bem da verdade, tanto prejudica a classe de advogados, pois o Direito, como disse Streck, não está à disposição de qualquer coisa.
- Ricardo Santos de Sousa é advogado, pós-graduando em direito processual civil e direito empresarial, com experiências nas áreas do direito do consumidor, direito empresarial, direito imobiliário e direito securitário. Autor de artigos jurídicos relacionados às áreas de atuação. Inscrito na seccional da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo.
Ricardo Santos de Sousa – Advogado, formado pela Universidade Paulista. Atuação no contencioso cível, com experiência nas áreas de direito do consumidor, direito societário, direito de família, direito imobiliário, direito notarial e registral. Autor de artigos jurídicos relacionados às áreas de direito processual civil, direito imobiliário, direito do consumidor e direito empresarial.