O funcionamento dos escritórios de advocacia no Brasil é regido por legislação específica, distinta da aplicável a outras formas de organização empresarial. Sob a égide do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), estabelecido pela Lei nº 8.906/1994, os escritórios de advocacia são entidades que possuem particularidades significativas, especialmente no que se refere à contratação de seus colaboradores.
De acordo com o artigo 17-A do referido estatuto, os advogados podem se associar a uma ou mais sociedades de advogados sem que se configurem os requisitos típicos de um vínculo empregatício. Esse tipo de associação se dá através de um contrato próprio, que deve ser devidamente registrado no Conselho Seccional da OAB.
É importante destacar que esse contrato de associação entre advogados e sociedades de advogados não é regido pelo Código Civil Brasileiro, que normalmente disciplina as regras gerais aplicáveis às sociedades empresariais e nem pela CLT, que disciplina as relações de Trabalho. Em vez disso, o Estatuto da Advocacia estabelece normas específicas que regulam essas associações, garantindo autonomia e peculiaridades próprias ao exercício da advocacia.
Essa legislação específica visa não apenas proteger as particularidades do exercício da advocacia, mas também assegurar a independência e a ética profissional dos advogados, que desempenham um papel fundamental na administração da justiça e na defesa dos direitos dos cidadãos.
Portanto, ao associar-se a uma sociedade de advogados, os profissionais do direito seguem um conjunto de regras e procedimentos que divergem daquelas aplicáveis a outras formas de organização empresarial, refletindo a natureza singular e regulamentada da profissão advocatícia no Brasil.
Um contrato de advogado associado, conforme regulamentado pelo Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994) e pelas normas da OAB, apresenta diversas peculiaridades em relação aos contratos típicos de trabalho ou sociedade regidos pelo Código Civil Brasileiro isso porque contrato de advogado associado proporciona uma estrutura flexível que permite aos advogados exercerem sua profissão de maneira independente dentro do contexto de uma sociedade de advogados. Essa modalidade não apenas respeita as particularidades da advocacia, mas também oferece aos profissionais oportunidades significativas de crescimento e desenvolvimento na carreira jurídica.
Das características do Contrato de associação.
Conforme mencionado anteriormente, os contratos de associação possuem características próprias, incluindo sua natureza jurídica específica que não configura uma sociedade empresarial nem um contrato de trabalho subordinado. Além disso, para ser válido, o contrato deve ser registrado no Conselho Seccional da OAB correspondente à jurisdição onde a sociedade de advocacia está registrada.
Por não estabelecer um vínculo empregatício, o advogado associado desfruta de autonomia na condução de sua prática profissional, especialmente na gestão de sua agenda e na seleção dos casos que deseja assumir. Embora o escritório possa estabelecer metas a serem alcançadas pelo associado, não pode determinar os horários em que ele realiza suas atividades.
O advogado associado não está sujeito às ordens do escritório contratante, pois a relação entre as partes é baseada na prestação de serviços, não havendo direção ou controle por parte do escritório. Apesar de não haver um vínculo de emprego, o advogado associado é responsável pelo cumprimento das normas éticas estabelecidas pelo Código de Ética e Disciplina da OAB, perante a Ordem e a sociedade de advogados à qual está associado.
Em relação à remuneração, o advogado associado recebe uma compensação pelos serviços prestados, sendo que as partes podem livremente estipular os critérios para a divisão dos resultados das atividades advocatícias contratadas. Conforme estabelecido pelo artigo 7º do Provimento nº 169/2015:
“Art. 7º O advogado associado não se tornará sócio da sociedade de advogados, não participará dos lucros ou prejuízos da sociedade, mas terá direito aos honorários contratados pela sociedade com os clientes, e/ou provenientes de sucumbência, relativos aos casos e interesses confiados a ele, de forma conjunta ou isolada, conforme estipulado no contrato de associação. ”
Em suma, os contratos de associação oferecem aos advogados uma estrutura flexível e adequada às particularidades da profissão, permitindo-lhes exercer sua atividade com autonomia e responsabilidade ética. Essa modalidade não apenas fortalece a independência dos profissionais do direito, mas também contribui para a eficiência e excelência na prestação de serviços jurídicos aos clientes e à sociedade como um todo.
Do contrato de associação e os conflitos enfrentados pelo judiciário
O contrato de associação entre advogados e sociedades de advogados tem se mostrado um tema complexo e frequentemente objeto de controvérsias no cenário jurídico brasileiro. Regido pelo Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994) e pelas normativas da OAB, este tipo de contrato possui particularidades que o distinguem de outros arranjos empresariais e trabalhistas.
O principal aspecto que tem gerado disputas judiciais diz respeito à natureza jurídica do vínculo estabelecido entre os advogados associados e as sociedades de advogados. Ao contrário dos contratos de trabalho regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e das sociedades empresariais disciplinadas pelo Código Civil Brasileiro, a associação de advogados não se configura como uma relação de emprego subordinado nem como uma sociedade empresarial tradicional.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem proferido decisões que impactam significativamente a relação entre advogados associados e sociedades de advogados no Brasil, afastando o vínculo empregatício em certos casos. Essas decisões têm sido cruciais para definir a natureza jurídica dos contratos de associação e esclarecer as responsabilidades e direitos das partes envolvidas.
A interpretação da corte superior enfatiza a necessidade de verificar a existência de vício no consentimento ou a presença de vulnerabilidade na formação da relação jurídica, apoiando-se em evidências concretas de fraude ou distorção contratual. Isso decorre dos princípios constitucionais da livre iniciativa e da liberdade de associação, que preconizam a primazia da proteção da autonomia da vontade das partes contratantes.
Agravo regimental em reclamação. Tema nº 725 da Repercussão Geral (RE nº 958.252) e ADPF nº 324. Prestação de serviços na atividade-fim de empresa tomadora de serviço por sociedade jurídica unipessoal. Fenômeno jurídico da ‘pejotização’. Existência de aderência estrita entre o ato reclamado e os paradigmas do STF. Agravo regimental provido. Reclamação julgada procedente. 1. O tema de fundo, referente à regularidade da contratação de pessoa jurídica constituída como sociedade unipessoal para a prestação de serviço médico, atividade-fim da empresa tomadora de serviços, nos termos de contrato firmado sob a égide de normas do direito privado, por se relacionar com a compatibilidade dos valores do trabalho e da livre iniciativa na terceirização do trabalho, revela aderência estrita com a matéria tratada no Tema nº 725 da Sistemática da Repercussão Geral e na ADPF nº 324. 2. A proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego (CF/88, art. 7º), sendo conferida liberdade aos agentes econômicos para eleger suas estratégias empresariais dentro do marco vigente, com fundamento no postulado da livre iniciativa (CF/88, art. 170), conforme julgado na ADC nº 48. 3. Procedência do pedido para afirmar a licitude do fenômeno da contratação de pessoa jurídica unipessoal para a prestação de serviço a empresa tomadora de serviço, destacando-se não somente a compatibilidade dos valores do trabalho e da livre iniciativa na terceirização do trabalho assentada nos precedentes obrigatórios, mas também a ausência de condição de vulnerabilidade na opção pelo contrato firmado na relação jurídica estabelecida que justifique a proteção estatal por meio do Poder Judiciário. Precedentes. 4. Agravo regimental provido e reclamação julgada procedente (Rcl 57.917 AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, Rel. p/ Acórdão Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe 28/6/2023).
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou que nem toda prestação de serviços remunerada configura relação de emprego, conforme previsto no artigo 7º da Constituição Federal, conferindo liberdade aos agentes econômicos para organizarem suas estratégias empresariais.
Decisões como essa vem sendo cada vez mais comum como por exemplo o Recurso Extraordinário (RE) 1497474 onde o STF, ao analisar o recurso, considerou que a decisão do TST contrariou entendimentos anteriores da própria Suprema Corte, que reconhecem a validade constitucional de formas diversas de organização do trabalho, conforme estabelecido em decisões como a ADPF 324, a ADC 48, a ADI 3.961 e a ADI 5.625, além do Tema 725 da Repercussão Geral.
O STF destacou que a Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.784/2019) orienta que normas sobre atividades econômicas privadas devem ser interpretadas em favor da liberdade econômica, boa-fé e respeito aos contratos. Além disso, citou decisões recentes que reforçaram a legalidade de contratos de associação similares ao discutido.
Portanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu dar provimento ao recurso extraordinário para reconhecer a validade do contrato de associação entre a Sociedade de Advocacia e a Advogada associada afastando assim o reconhecimento de vínculo empregatício e quaisquer condenações derivadas disso.
Essa decisão reforça a importância da liberdade contratual e da autonomia das partes na escolha de formas organizativas do trabalho, desde que respeitadas as normas vigentes e os limites constitucionais.
Paola Cristina Azevedo