Nos últimos anos, um fenômeno inusitado tem desafiado o campo jurídico: o crescimento de mulheres que se identificam como “mães de bebês reborn”. Trata-se de bonecos hiper-realistas tratados como filhos reais, com rotinas que envolvem alimentação simbólica, trocas de fraldas, passeios, consultas pediátricas fictícias e, mais recentemente, até pedidos de reconhecimento institucional.
Esse cenário, embora sob forte carga emocional, exige análise técnica. A Constituição Federal assegura a liberdade individual, mas quando essa liberdade passa a demandar direitos previstos apenas para vínculos jurídicos legítimos, surgem riscos de desvirtuamento da ordem legal.
Casos como pedidos de certidão de nascimento para bonecos, tentativas de licença-maternidade junto ao INSS ou prioridade em serviços públicos ultrapassam os limites da autonomia privada e podem configurar abuso ou tentativa de fraude.
A atuação do jurídico, especialmente em instituições públicas ou empresas, deve combinar sensibilidade e rigor. É necessário acolher sem validar juridicamente situações que não têm respaldo legal. Exigir matrícula escolar, atendimento pediátrico ou qualquer benefício estatal com base em um vínculo inexistente representa não apenas violação à legislação, mas ameaça à isonomia e ao uso responsável dos recursos públicos.
Em contextos mais delicados, nos quais há sinais de distúrbios emocionais ou psicológicos, a resposta jurídica não pode ser apenas normativa. Deve incluir escuta qualificada, encaminhamento para setores especializados e protocolos que orientem o atendimento de maneira empática, porém tecnicamente segura.
Esse fenômeno não pode ser ignorado. Ele reflete transformações sociais profundas e evidencia o quanto o jurídico precisa estar preparado não apenas
para aplicar a lei, mas para construir respostas que protejam a dignidade humana sem abrir precedentes incompatíveis com a realidade jurídica. O equilíbrio entre legalidade e sensibilidade é, nesse caso, o verdadeiro desafio.
Por: Aline Xavier