A primeira turma do STJ em decisão inédita decidiu pela possibilidade de dedução dos pagamentos a administradores e conselheiros ao tempo da apuração do IRPJ.
A controvérsia pairava sobre a possibilidade de dedutibilidade, na apuração do Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ, pela sistemática do lucro real, da soma destinada ao pagamento de montante em razão da prestação de serviços de administradores e conselheiros, que não corresponda a valor mensal e fixo, regra praticada atualmente.
Na ocasião do julgamento do REsp nº 1746268/SP, em 16/08/2022 a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria dos votos, que as empresas poderão deduzir da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) os pagamentos realizados em favor de administradores e conselheiros, independentemente de serem ou não pagamentos fixos e mensais, decisão inédita sobre o tema proferida pelo Tribunal, a ação foi distribuída em 1999 com origem no Tribunal Regional Federal da 3ª região.
O recurso especial havia sido interposto para enfrentar da decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), que reformou a sentença e aderiu ao entendimento da Receita Federal do Brasil (RFB), com base no disposto na Instrução Normativa SRF nº 93/1997. A referida IN previa que as deduções somente são possíveis nos casos em que os pagamentos aos administradores e conselheiros fossem fixos e mensais. A nova decisão ampliou as possibilidades de dedução para tais pagamentos, algo de extrema relevância para as empresas, que agora possuem a perspectiva de uma nova ferramenta para economia na carga tributária.
Em primeiro grau, a decisão foi favorável para as empresas, de modo a permitir a dedução dos valores em discussão da base do IRPJ, uma hipótese de redução na tributação paga por elas. Em segundo grau, entretanto, o tribunal de origem, o TRF3, reformou a decisão do juiz de primeiro grau, por entender que os valores destinados a administradores e conselheiros só poderiam ser deduzidos da base de cálculo do IRPJ, nos casos de empresas optantes do lucro real, desde que eles forem fixos e mensais.
No acordão do TRF3, um dos fundamentos foi que, entre outros atos normativos, a tributação da retirada eventual de valores para pagamento de administradores e conselheiros é prevista no artigo 31 Instrução Normativa da Receita Federal 93/97, posteriormente reproduzido no inciso I, do artigo 357, do Decreto 3.000/99. Segundo esses dispositivos, não são dedutíveis da base de cálculo do IRPJ, no lucro real, as retiradas que “não correspondam à remuneração mensal fixa por prestação de serviços”.
O Recurso Especial era de competência da Min. Relatora Regina Helena Costa, em seu voto que ocorreu no primeiro semestre de 2022, e posteriormente ratificado, pois o julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Gurgel de Faria (voto divergente), sendo favorável à recorrente, abordou que todos os custos e despesas operacionais são dedutíveis da base de cálculo do IRPJ nas apurações das empresas optantes pelo Lucro Real. O voto traz o entendimento de que nas hipóteses de pagamentos realizados a administradores e conselheiros, ainda que de forma eventual, estariam abrangidos neste conceito. Reforçando ainda, que apenas seria possível o impedimento na dedução se a negativa estivesse prevista expressamente na legislação, o que não é o caso.
Na perspectiva da relatora, essa hipótese de restrição na dedutibilidade de valores da base de cálculo do IRPJ foi superada a partir de sucessivos diplomas legais. Conforme trecho do acordão transcrito a seguir.
“…o exame da legislação de regência do Imposto sobre a Renda revela que os vetustos requisitos da periodicidade – mensal –, bem como da constância do numerário desembolsado – fixo –, voltados à restrição da dedutibilidade do pagamento dos honorários de administradores e conselheiros de empresas, não mais se verificam”.
O respectivo trecho é de sua ratificação de voto, pois após pedido de vista o Ministro Gurgel Faria votou divergente, e se refere aos artigos que foram revogados e versavam sobre o tema e seriam impeditivos da dedução conforme apontado pelo Ministro, sendo eles os arts. 29 e 30, do Decreto-Lei n. 2.341/1987, foram revogados pelo art. 88, XIII, da Lei n. 9.430/1996.
A relatora segue apontando ainda que não se pode impor um obstáculo à dedução de valores da base de cálculo do Imposto de Renda por meio de atos infralegais, no caso instrução normativa e decretos. “O que existe hoje é a vedação constante de instrução normativa, tão somente, porque diplomas legais foram sucessivamente alterados”.
Em sua retificação a Ministra ainda criticou a orientação do fisco sobre a impossibilidade dos descontos, pois tal óbice à dedutibilidade se dá mediante interpretação veiculada em atos administrativos normativos, no plano infralegal.
A ministra aborda ainda um aspecto relevante sobre a legitimidade da dedutibilidade da apontada despesa com a remuneração pela prestação de serviços de administradores e conselheiros e que a restrição a tais benefícios por meio de ato normativo é inaceitável.
Ela aborda que, em princípio, todos os custos e despesas operacionais são dedutíveis da base de cálculo do IRPJ no lucro real, independentemente de haver uma previsão legal. Os valores pagos aos administradores e conselheiros, assim, mesmo que eventuais, se enquadrariam nesse conceito. A restrição a essa dedução é que deveria estar prevista em lei, e não valer-se de ato normativo.
Por fim o acordão retrata que de fato há uma previsão legal que acata a legitimidade da dedução dessas despesas no IRPJ, sendo o benefício legítimo. Entende-se que a despesa pode ser deduzida e o próprio ato normativo compreende os pagamentos de honorários como despesa. Assim inviável dizer que os referidos pagamentos deixam de possuir o caráter de despesa apenas pela periodicidade.
O impedimento ao acesso ao benefício apenas por não compreender um aspecto temporal, uma vez que embora não ocorra em um período menor e constante, a eventualidade não retira o caráter de despesa do pagamento, resultando em uma vedação com aspecto de ilegitimidade, pois não há previsão legal impedindo, apenas orientação em norma infralegal.
Na prática a decisão não altera em nada a cobrança do imposto, entretanto ainda que o julgamento não possua efeito vinculante, a decisão proferida afetará de modo significativo o judiciário, exclusivamente para as empresas que recolhem IRPJ pelo regime de Lucro Real, tendo em vista que as instâncias inferiores vinham se manifestando de maneira contrária às deduções, e com a nova decisão abre-se um precedente.
O Acordão foi publicado, entretanto havia um recurso extraordinário pendente de julgamento, que foi remetido ao Supremo Tribunal Federal, mas restou prejudicado ante o julgamento realizado pelo Superior Tribunal de Justiça favorável a recorrente, de modo que ocorreu a perda do objeto.
Importante observar ainda que a decisão final sobre o tema ocorreu 22 anos após o início da discussão, como é sabido o judiciário é moroso, mas ainda mais complexo para julgamento de matérias como essa, que implicam em desdobramentos aos cofres públicos e concomitantemente no custo de operação das empresas.
A decisão monocrática que julgou prejudicado o recurso foi publicada em 25 de outubro de 2022 e atualmente aguarda o trânsito em julgado. O que se espera agora é que com a decisão outras empresas optantes do Lucro Real poderão recorrer ao judiciário para buscar o benefício, tendo um precedente favorável em sua maioria na primeira turma do STJ visto que apenas um Ministro votou divergente.
Ivana Santos é formada em Direito, pela Escola Superior de Administração Comunicação e Marketing de Campinas. Com mais de 5 anos atuando na área jurídica, hoje é coordenadora da equipe de encerramento no Vigna Advogados Associados.