Recentemente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou um especial sobre os atuais julgados emitidos pela Corte que contemplam as aplicações da presunção de danos, comumente chamados de danos “in re ipsa”.
In re ipsa, em tradução livre significa “da própria coisa”, ou seja, aquilo inerente ao próprio fato em si, o que de forma resumida quer dizer que em certas situações vividas, vícios encontrados em um produto ou o defeito de um serviço, os danos são presumidos quando aplicamos essa teoria, sendo que os prejuízos são inerentes do fato em si.
Apesar de não existir restrição dentro do Direito, a esfera onde mais se utiliza a referida teoria é no Direito do Consumidor. Pelo próprio objeto, os danos, quando presentes, são presumidos nas relações de consumo, principalmente pela hipossuficiência do Consumidor em relação ao Fornecedor de produtos e serviços, bem como pelo que prevê o art. 12 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que trata da responsabilidade, independentemente da existência de culpa, por parte daqueles presentes na cadeia de consumo, sejam como fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro ou importador.
Isso significa dizer que, pelo fato do Consumidor não ter os mesmos meios de provar e se defender que o Fornecedor, algumas situações e alguns defeitos, por si só, presumem a ocorrência de dano e induzem a devida reparação.
Neste sentido, o STJ já consolidou entendimentos na área do Direito do Consumidor que são muito importantes, dos quais destacamos:
– Produtos bancários: ainda está pendente de julgamento, mas será realizado por meio do rito dos recursos repetitivos, ou seja, será a pacificação do entendimento do STJ sobre os casos, o Tema 1.156, que vai estabelecer “se a demora na prestação de serviços bancários superior ao tempo previsto em legislação específica gera dano moral individual in re ipsa apto a ensejar indenização ao consumidor”.
– Comercialização de alimentos: no julgamento do REsp 1.899.304, o STJ consolidou o entendimento de que não é necessária a ingestão de alimentos contaminados para ocorrência de danos ao consumidor, pois a mera comercialização do produto nestas condições já seria lesiva.
– Planos de saúde: é orientação nas turmas do STJ que, em caso de recusa indevida na autorização de tratamento médico emergencial, os danos morais são presumidos, pois tal conduta agrava a situação psicológica e aumenta a angustia do consumidor desse tipo de serviço.
– Comercialização de dados pessoais: na esteira do desenvolvimento tecnológico e no compartilhamento massivo de informações e dados pessoais para obtenção de produtos ou serviços de forma digital, muito se discute sobre a comercialização dos dados fornecidos pelos Consumidores sem a sua ciência inequívoca desse fato. Muitas empresas além de fornecer produtos, também fazem a gestão do banco de dados dos seus clientes, desenvolvendo um produto que muito interessa e que possui grande valia, que são as informações para outros fornecedores de bens e serviços. Mas a liberação de dados sensíveis e comercialização de informações sem a anuência dos titulares, fere direitos que superam a esfera do indivíduo como consumidor e atinge sua esfera pessoal e pode atingir direitos constitucionalmente postos, bem como ir de encontro com a Lei 12.414/2011, que rege a matéria de banco de dados, e o próprio CDC.
Pelo discurso utilizado pelo próprio STJ neste compilado, a tendência é que cada vez mais haja pacificação temas similares, para dar homogeneidade e segurança jurídica na aplicação desse tipo de entendimento, que não está efetivamente disposto em lei e faz parte da evolução da vida prática.
Importante salientar, que o discutido no que tange a aplicação da presunção é que estamos diante da consolidação da jurisprudência quanto a constatação de danos, ou seja, isso não exime que o Consumidor atenda o art. 373, I do Código de Processo Civil, com relação a prova mínima do fato alegado e devida comprovação da situação em que aplicáveis os danos “in re ipsa”. Afinal, a presunção será aplicada quando demonstrado sobre o qual acontecimento deve ser considerada.
O Direito do Consumidor todos os dias ganha capítulos novos na jurisprudência e estar atentos aos desdobramentos da evolução das relações de consumo é indispensável, sendo muito importante esse tipo de divulgação feita pelos próprios órgãos julgadores, ainda mais por se tratar da nossa corte maior sobre a temática, que é o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Tamara Henriqueta, Advogada, Gestora Jurídica no Vigna Advogados Associados